sábado, 30 de abril de 2011

Reflexo sobre Uivo, de Allen Ginsberg

Reflexo sobre Uivo, de Allen Ginsberg
Fernando L.S. Martins

Eu caminhei nessa cidade e nesse lixo
Nessas ruas de donos sem alma
De sorrisos sem dentes e filhos pelados
Com suas blusas doadas e rostos mutilados
Nessas ruas de ratos de espécie adultera
Onde as estrelas são trens lotados de sádicos
E horários mediados por ponteiros
Relatórios, facas, cogumelos e isqueiros

Eu caminhei nesse bairro e nesse som funesto
Onde o choro era o gemido de dor
E a dor era o que o menino gemia
Embaixo do papelão e os panfletos
Os romances policiais jogados fora
Compartilhando sua comida com as larvas
Bairros esses onde vive um trilho de alumínio
Dando direção a sanidade
Que voa longe dos olhos
Salta as carteiras
Grita asneiras e inverdades

Eu caminhei nessa casa e nessa textura fétida
Sobre um chão morto
Pele, unhas, dentes e escarro
Nesse vasto antro de porquindade
Onde perdi as chaves do conversível
E surrei os mendigos parentes
Tão irmãos de causa quando o picado
E a luz que o holofote faz
Cegando, doendo os ossos e íris

Eu caminhei nesse corpo frio
Feito de bebês e babás
Uns de macacão
Outros de saia
E o cheiro era o nariz podre
O excremento podre
A comida sem geladeira
Os corpos sem areia
Caixões, fogo, agua ou concreto
Eu caminhei sobre esse mundo de avessos
Cantando o que antes se cantava em um uivo

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