domingo, 12 de junho de 2011

Sozinho

Sozinho
Fernando L.S. Martins

Eu sou sozinho nesse antro triste de inquéritos e fogueiras
Nessa queimada triste de bruxas tristes e indigentes
Eu sou sozinho nesse trem de três quartos de ácido
Nesse sonho de fumaça leve que condensa no trastejar da janela
Sozinho, sozinho, por mim, só eu nesse quarto
Nessa sala de ilustrações surrealistas sobre fábulas sinistras
Nesse amontoado de Kafkas e baratas burrouguianas que dançam suas músicas típicas
Nesse amontoado de mofo e pão de pombo
Nessa praça de álcool barato, nesse éter
Nesse trem que nunca chega a estação
Nessa lâmpada piscante e cega
Nesse asfalto torto que se cura no verão
Sozinho nesse mundo de praias
Nesse cigarro apagado

Eu fui sozinho até o topo do poste condensado em nuvens fins
Dancei com deus sob seu infinito teto descascado
Sob suas pinturas de Marte, Vênus
Ele gritava suas cóleras divinas e tufões degrade
Eu chorava pitangas e reinava um bolo inglês com coberturas cem anos
Eu fui sozinho até o ponto que o céu tem duas cores
Sozinho até calejar os botões da camisa
Até mudar o penteado dos anos sessenta
Até os anos oitenta e smiths falidos
Sozinho até que meu all star me guiasse
Até que as pontes se invertassem
Até que o sol apaguesse
Sempre pelado nesse escuro de semanas seguidas de semanas

Eu sou um sozinho nesse oceano de traços vienenses
Sozinho nessa peça elisabetana, nessa opera de bufões
Sozinho como os pés descalços da crianças que carrega doce
Andando com sua bicicleta desnuda de acento
Comentando os textos de Huxley e jurando vingança a uma conspiração inefável
Sozinho como o vinho feito de amoras, bailando prateleiras
Bailando convulsões fictícias, sozinho como mel num ferrão de abelha
Sozinho, sou só eu nesse quarto sem paredes
Nesse andar sem gente do prédio abandonado
Sozinho

4 comentários:

Anônimo disse...

Lindo o poema. Tu escreve nas nuvens.

(gustavo)

Marco K Silva disse...

Lindo poema mesmo

Anônimo disse...

Vai te trata...

Lucas disse...

Brigado ai pessoal, uma dos poemas que mais gosto...

E eu ja to em tratamento... anônimo, tu sempre volta né.