Ao cair da tarde, bem no finzinho da luz, eu nasci!
Todos me apreciam e sempre à mesma hora todos me aguardam;
tão ansiosos
Muitos não puderam estar lá por seus motivos inferiores
Eu vim, e meu esplendor e fascinação se afinaram na garganta
dos poetas amantes
Uma viola preguiçosa espalhava uma harmonia espanhola pelo
ar negro e prata
Eram uns dedos morenos que titilavam as cordas com esmero e
sem pressa
O tempo parou...
Uma coruja pia na cumeeira em desacordo com aquela harmonia
Lá em cima, na mata, a onça nem pensa, só me aprecia com
olhos largos de gato
Numa ladeira estreita, um bêbado se equilibra irreverente a
me saudar
Na areia lá em baixo, um corpo nu dança sob a luz que não é
minha
Eu toco suavemente aquela pele e um sorriso de luz negra se
abre, passivo e largo
Nas curvas e coxilhas da moça, eu também danço prisioneira e
cândida
Num canto da praça um rapaz observa, carrancudo e só
“Quanta besteira !” pensa ele, enquanto devaneia a
fragilidade da vida
Num bar, os alegres ébrios arriscam suas rimas
irresponsáveis
Uma brisa vadia espreguiça-se envolvendo a tudo
Em alguma janela um olho me vê, para e suspira um suspiro
lento e longo
Em outra, eu espreito e ilumino os amantes em ato secreto e
impuro
Um braço duro cata restos e empurra o carro de sucatas pelos
becos e ruas
Vez ou outra me olha e mareja o olhar encardido, sofrido e
saudoso
Um vira-lata faceiro troteia a esmo pelas calçadas
procurando ...
O carrancudo da praça resmunga algo ininteligível e se vai,
antes me lançando um olhar firme
Alguma sirene quebra o silêncio de vez em quando
Enquanto você dorme, eu brilho, encanto, fascino e inspiro
O tempo voou...
A noite não viu...
As buzinas e motores brotam no fim da madrugada
É minha deixa! Hora de eu me recolher e de você acordar
A luz logo virá e irá alterar tudo isto e tudo, tudo será
diferente
Mas no fim da luz eu retorno, para ver e encher tudo e todos
outra vez
Mágica e provocante acordarei todos os sentidos, os de fora
e os de dentro
Dos mais fúteis até os mais intensos e profundos, ainda que
escondidos
Este insignificante, mas fiel escritor estará lá de alguma
forma
Escolhi-o para falar a você por ser ele submisso e encantado
comigo
Como um amante controverso, ele até já abusou de meu lado
escuro
Várias vezes!
Como ele, muitos outros estarão lá dedicados e submissos
Irremediavelmente submetidos a minha magia cor de prata
Eu me chamo Lua e vou estar lá cheia, mágica, envolvente...
E você, onde vai estar?
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