segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Endossado


Endossado
Lucas Selau

Faz algum tempo que não recebo ajuda do meu cérebro. Não há sinapse. Informação alguma para o corpo. Então vegeto sobre a imagem. Caduco sobre o quadro que fora pintado antes. Quando ainda controlava os membros, azul e vermelho, misturaram-se, pernas e braços. Podre de mim, eu pensaria, mas não há cérebro.
          Pode ser que tenha algo a ver com a temperatura da sala. As janelas fechadas há horas e mais horas seguidas dessa música infernal. Por isso o cérebro se recusa. Ele suspira. A luz do dia negada. A rara água dedicada à deserta língua. Deserta em palavras, da introspecção de mim.
                Ainda sim cravado do meu sorriso. Irônico eu. Da minha desgraça a minha graça, minha sabedoria mundana. O que é tão engraçado na mistura ébria das cores na tela? Há quantos relógios daqui viverá minha experiência, afinal, as doses de flashes me desafiam a destilar sensações distintas... Com isso a revolta das conclusões. Navegando, súditas, minha cabeça. A confusão do que seria a realidade enfim.
                No começo tinha a tela por completo em mãos. Vi o primeiro choque entre tecido e tinta. Vi último beijo entre detalhe e pintor... Quiçá, eu destilando as mil cores em um só tom. Mas cansava, e a cada piscada me misturava em incertezas: de como seria dado aquele toque, ou qual a cor dos lábios da persona. Não tivera a certeza na hora certa, e talvez por isso, agora afogo em inanimado.
                Pois era manhã quando a porta, aberta por alguém ou abrindo com uma lufada de vento, soslaiou lucidez. Transcorreu um tremor em meus músculos. Arrepios. Foi quando minha mão se fechou, retesada contra pincel e tinta seca. O sorriso, tatuado, apagando-se aos poucos. Meu corpo podendo ficar sentado. Minha cabeça eletrocutando novamente minhas ações, pouco a pouco. E meus olhos...
                Os fechei alguns instantes. Um momento. Segundos, eu creio. Misturei sal sob pálpebra e deixei tudo acalmar no mar em íris. Não aguentava lembrar o silêncio da noite. Nem lembrar a penumbra e a imagem pintada. Nem a respiração e as sensações distintas em tantos níveis aleatórios. Só descansei minha visão.
                Abri-os, tanto olhos quanto sorriso. Meu quarto escuro. Minhas mãos limpas. Meus pinceis intactos, Meu quadro branco.  

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